O Barquinho Cultural

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sexta-feira, 30 de abril de 2010

Jovens tardes de domingo

Estou lendo "Minha fama de mau", autobiografia de Erasmo Carlos, e descobrindo que o sujeito é engraçado, tem bom humor e um grande talento para rir de si próprio. O livro é uma delícia, se bem que às vezes ele incensa demais o seu amigo Roberto Carlos. Mas está recheado de boas histórias da Jovem Guarda e primórdios. Bem, estou na metade do livro e ainda nem chegou propriamente nas jovens tardes de domingo - está começando agora, na minha leitura. Eu gostava muito da Jovem Guarda, costumava assistir aos caras na TV (não exatamente o programa do Roberto, pois eu era muito pequeno, mas os que vieram depois), lia as Revistas do Rádio, Melodias, Fatos e Fotos e outras que apareciam - isso bem lá na frente já, alfabetizado, e ouvia no rádio e na TV as músicas. Como já postei aqui, quando fui ao show do Roberto pela primeira vez em minha vida, costumava ver os galãs e as galãs nos shows de aniversário de minha cidade, São Caetano do Sul. Não chegava a ser um fanático, desses que se vestem igual ao ídolo e tem tudo deles, mas o ritmo me agradava muito (talvez venha daí minha preferência, anos depois, pelo bom rock and roll, a partir de Beatles). O livro está sendo importante para resgatar essa etapa ingênua (nem tanto, apreende-se da leitura) de nossa história musical. A escrita (texto final de Leonardo Lichote) é ligeira, gostosa de ler, com orações bem concatenadas e histórias saborosas. Mas até aqui (pg. 152 de 343) dá a impressão de que o Erasmo está um tanto superficial, talvez ocultando passagens não muito nobres de sua trajetória, optando por lances engraçados ou comoventes, e valorizando demais as parcerias com o Rei. Eu esperava ler episódios obscuros que certamente a carreira de um artista tem, os trambiques, maracutaias, as puxadas de tapete... Têm algumas coisas assim, mas muito por cima. Erasmo parece que se preocupa mais em relatar suas aventuras sexuais (ou desventuras) do que em detalhar sua trajetória. Numa página ele é o moleque aprontando nas ruas de Tijuca, zona norte do Rio; noutra. já toca violão e canta no The Snacks; vem outra e já compôs a versão para Splish, Splash. Pode ser que mais à frente ele amarre essas pontas soltas, mas até o momento dá uma certa agonia, uma sensação de amadorismo, que imagino ele cometeria se tivesse escrito a obra sozinho. Vamos dar um desconto. Ao final do livro dou uma impressão final (sem trocadilho).

sexta-feira, 23 de abril de 2010

O segundo debut da filha


Minha filha fez sua estreia no movimento estudantil. Os alunos de sua universidade - parte deles, claro - estão reclamando professores, equipamentos, ampliação do restaurante e da creche, entre outros itens, e há mais de uma semana estão em greve, tendo ocupado a Reitoria. A foto mostra ela empunhando um cartaz em passeata no campus, quando se dirigiam à sala da reitora. É engraçado vê-la nesse agito, a gente inevitavelmente se lembra da mesma época, dos valores que tinha, e remete ao agora, o que ficou para trás e o que criou raízes. Acho ótimo ela ter suas visões, convicções, creio que vai consolidando sua opinião, seu modo de pensar, e assim ela ingressa no mundo adulto, onde passa a ser uma cidadã. Acho que está na hora de emprestar-lhe uns livros (rs).

Tirando isso, vale um post pra dizer que não tem novidade, que não fiz nada, que a vida seguiu modorrenta como um caravançarai no deserto? A única novidade é que voltei à cidade de Praia Grande pela primeira vez desde que meu pai, que morava lá, morreu, há quase 10 anos. Está tudo bastante diferente, e a casinha dele continua lá, agora habitada pelos enteados, acho. Fiquei triste de passar por lá, claro, mas foi bom também recordar momentos felizes passados naquele lugar, os churrascos, a casa cheia de gente, as caminhadas pelo calçadão. Frequentamos a Praia Grande desde muito pequenos e a transformação foi realmente radical, apesar de ainda não ter confiança de entrar no mar de lá. Mas ficou bonito, sim. Tomei umas cervejas mordiscando iscas de peixe com minha nova amiga e o sábado foi passado dessa forma. Já o domingo foi sem muita atividade. Fui embora à tarde para poder trabalhar à noite. No feriado do dia 21 também não fiz nada que merecesse registro.

Não me decidi ainda a abandonar a terapia; fui segunda e quinta e mais uma vez a ladainha do sono. Gostava mais quando fazia umas terapias alternativas, que incluíam florais, acupuntura, cromoterapia, aromaterapia, massagem... Saía de lá muito leve e achando o mundo uma maravilha. Mas tinha que fazer minha parte, qual seja, não me estressar à toa, mesmo que tomasse uma bela fechada de um carro. Estar naquelas sessões correspondia a sair um pouco do mundo e levitar em uma esfera superior, onde tudo era leve e as preocupações ficavam lá embaixo. Podia ser um mero paliativo, mas o bem-estar proporcionado era muito legal.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Sono óbvio; insônia ululante

Parece piada. O homem que pago para me ouvir passou uma sessão quase inteira falando dos benefícios de uma boa noite de sono (para mim dia), de ter alguma rotina, horários certos e tal. Bem, nunca fui um cara regrado, sempre dormi, acordei e comi nos mais variados horários e chegar atrasado nos compromissos para mim é que é uma rotina. Poderia contar casos hilários aqui de meus atrasos, mas quero focar nesse negócio de sono. É claro que sei dos benefícios do sono, cara pálida! Dar uma grana pro sujeito me dizer isso me faz sentir-me lesado, roubado mesmo, é a palavra. Tudo bem, vamos ser condescendentes. Concordei e resolvi seguir um ritual para dormir bem. Desligar todos os telefones, TV, rádio, luzes, fechar bem as janelas, deixar o quarto bem aconchegante e dormir o mais cedo que puder. Foi o que fiz nesta quinta-feira, após a consulta-mesmice. Às 11h em ponto deitei-me, e dormi em seguida, sem dificuldade. Mas, apesar de todo esse cuidado, acordei meio-dia e meia, assim do nada, sem nenhum barulho a me despertar ou pesadelo a me afligir. Acordei, chateado, levantei-me, tomei água, fui ao banheiro, chequei o celular (tinha uma mensagem, respondi) e voltei à cama. Fiquei entre dormindo e acordando até 15h30. Aí vi que não tinha jeito e fui almoçar. Comi bem e resolvi assistir a um filme, O Sequestro do Metrô, baseado em um livro que li nos anos 70, quando era assinante do Círculo do Livro. Com Denzel Washington como o mocinho do controle do metrô, e John Travolta como o bandido assaltante. Bom filme, boas cenas de ação, apesar de clichês, diálogos interessantes, humor, ironia, alguma crítica política ingênua (ah, quando fala de corrupção, prefeito sacana e tal). Roteiro, no entanto, repleto de falhas, mas não chega a comprometer a obra como boa diversão. O resultado é que passei o tempo e, ao final dele, consegui dormir até 22h. Aí fiquei com preguiça de levantar, o que só acabei fazendo por volta de 23h, já no meio da Grande Família. Então a piada de que falava é essa: esta semana toda dormi bem, com TV e computador ligado, celular e telefone tocando, e, na hora que resolvo me isolar, o sono não vem. E olha que disse para o ouvidor que estava dormindo bem, mas parece que o cara não tem um plano B, sempre tem que seguir o que programou para mim independente do que eu lhe diga. Estou seriamente inclinado a deixar esse sujeito ouvindo o silêncio de minha ausência e investir essa grana em bons filmes e livros, coisas que talvez me permitam compreender um pouco melhor as coisas da vida que me afligem.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Um domingo de ócio total

Nossa, que domingo tive! Fiquei ele todo praticamente na cama, só levantei poucas vezes para as refeições, banheiro, essas coisas. No mais, TV, sono, filminho, internetadas. Pior é que acordei muito cedo, por volta de 8h, e assisti ao programa rural da Globo. Depois, Inezita e Boldrin na Cultura. Gosto desses programas que tocam músicas regionais, nada a ver com esses sertanejos de hoje - nada contra, até ouço, e algumas são até bem feitas, mas a música caipira é, no meu ponto de vista, muito boa. Teve show da Central Scrutinizer no Centro Cultural São Paulo, mas não fui; era às 18h, e acordei às 16h morrendo de preguiça de sair. Também não fui na festa de lançamento da Devassa, sexta, em Jundiaí. Sábado churrasqueei com a família, depois de andar pelo shopping resolvendo problemas de celulares e impressoras, rs... Sexta Isabela voltou pra casa dela. Foi um sufoco no aeroporto de Congonhas. Chegamos uma hora antes da saída do avião, como recomenda a companhia. Mas a fila estava imensa e bateu o desespero de perder o voo. Felizmente deu tempo, na correria. Mas aprendi a lição: estar no check in pelo menos com hora e meia de antecedência, porque o que se anda de avião hoje não é brincadeira. Aliás, estacionar lá está cada vez pior, um estacionamento tão grande e sempre cheio. Pois é, parece que a crise está mesmo passando longe daqui. Bem, voltando ao domingo. Assisti a um filminho em DVD meio bobinho, mas, sei lá, devia estar carente, e me emocionei muito. Chama-se Sete Vidas, com Will Smith como principal personagem. Ele sofreu um acidente tempos atrás que causou a morte de sete pessoas, porque foi ver recado no celular enquanto dirigia e não viu seu carro ir em direção a uma van cheia de gente. Sua mulher também morre no desastre. Aí sabemos que ele é agente fiscal da Receita e escolhe sete pessoas que estão com dificuldades para ajudá-las de alguma maneira. É um modo de ele compensar as sete vidas que fez ceifar. Ele acaba se apaixonando por uma de suas beneficiadas e o que ele faz por ela é realmente comovente, apesar de a crítica ter achado um tanto piegas. Sei lá, esses críticos é que são meio piegas às vezes. Claro, é um filme feito mesmo para comover, é do mesmo diretor de À Procura da Felicidade, com o mesmo Smith (Gabriele Muccino), mas gosto de filmes assim, me comovo e dane-se se pareço babaca. Estava, porém, especialmente sensível este domingo e o desprendimento do cara, apesar de fruto de um remorso imenso, me deixou pensativo. Faria eu algo assim por pessoas que nem sequer conheço, apenas porque elas merecem? Outra coisa, precisa de uma  motivação forte assim (expiar uma culpa) para se fazer o bem às pessoas? Tem uma cena em que ele doa medula óssea a um garotinho com câncer que é muito forte. A extração é feita sem anestesia e a dor é muito bem representada por Smith, bem como a hora que ele comete o suicídio (não estou estragando o prazer de ninguém porque o filme começa com ele anunciando que vai se matar), de uma forma assustadora. Eu acho que só as boas interpretações valem o filme, apesar de ser um tanto arrastado, lento, de não promover o crescendo necessário para esperarmos ansiosamente pelo clímax. Acabei de vê-lo com um certo espírito de solidariedade e me achando pouco empenhado em ajudar quem precise. E a gente vê na TV esse desastre que houve no Rio e fica comovido, revoltado, mas faz o quê? Depois de notícias de que muitas doações não chegaram ao Haiti dá mais raiva ainda, vontade de mandar tudo para aquele lugar. Sabe, tem dias que sinto muita raiva da humanidade, apesar de que generalizar não é boa ideia. Mas egoísmo e individualismo são pragas que vicejam por aí, e sacanagem com os outros, mais ainda. Assusta-me muito isso aí. A gente precisa de uma boa crosta grossa nas costas para poder sobreviver nessa selva, e também de tolerância, senão sai brigando toda hora. Depois do filme, papeei um pouco no MSN e dormi gostoso até cerca de 17h, já no final do jogo Santos 3 x São Paulo 2. Meu cunhado e sobrinho tricolores devem estar putos... Vi Faustão, cheio de celebridades desfilando demagogia com a desgraça alheia e depois Fantástico, que trouxe cenas de um resgate no morro do Bumba, em Niterói (RJ). É impressionante como a Globo consegue essas coisas: em plenas operações arriscadíssimas no local da tragédia, mete uma equipe toda lá. Não sei se outras emissoras também puderam acompanhar o resgate do homem. Lembrou-me demais do filme A Montanha dos Sete Abutres, com Kirk Douglas, guardadas as devidas diferenças, quer dizer, não estou dizendo que, tal qual o personagem de Kirk, um jornalista inescrupuloso, a Globo esteja explorando a desgraça alheia; só me encano um pouco por certa exclusividade que ela muitas coisas consegue, à custa sabe-se de que expediente. Mas, se for esforço de reportagem, como parece que é, parabéns a ela, como sempre. Terminado o show da vida, fui trabalhar, esperando que esta seja uma semana boa e de realizações. O bom é que o próximo final de semana já está garantido. Depois eu conto.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Maioridade

Não me lembro muito bem de quando completei 18 anos. Recordo-me vagamente de que me alistei, tirei documentos (título de eleitor, identidade, CPF) e estava procurando emprego, inutilmente. Era 1979. Época da discoteca, e eu era frequentador de algumas pistas, onde tentava dançar à la Travolta (ridículo, eu). Não tirei carteira de motorista de imediato, sonho de todo moleque que atingia a maioridade. Não tinha grana para isso, nem carro. Eu era um cara muito diferente do que viria a me tornar depois. Meio vagabundo, apesar de ralar os parcos músculos carregando carrocerias de caminhões na transportadora São Thomé para descolar uns trocados que garantiam a balada, o cigarro e a calça Levi's comprada na loja de fábrica, na longínqua Vila Leopoldina, zona oeste da capital, onde o preço era inferior porque havia um defeito ou outro que tirava a peça das lojas. Meu pai vivia me cobrando uma ocupação, mas idade de serviço militar era ruim para conseguir emprego, só esses bicos na transportadora. Também não ia bem na escola; fiquei em recuperação em Matemática Aplicada, no terceiro colegial, dois anos seguidos, o que, somado à reprovação da 6ª série, iria me atrasar e fazer entrar na faculdade somente aos 21 anos. Minha filha entrou com 17! Tinha uma turma de amigos ótima, mas pouco chegada a estudos. A maioria pensava em cursar Senai e ser operária. Eu mesmo cheguei a fazer o curso de aprendizagem industrial, de desenho mecânico, mas abandonei quase no final, porque não tinha como comprar o caro material. Eu queria fazer faculdade - e, claro, fiz. No 1º colegial, quando completei 18 anos, me encantei com as aulas de Química e pensei em seguir essa profissão. No ano seguinte a matéria complicou e já fiquei motivado a ser desenhista de plantas, por causa das aulas de Edificações. O problema é que essa matéria deixou de existir no ano seguinte porque o governo mudou o plano educacional e tirou a ênfase na profissionalização para manter o foco anterior na formação intelectual. E o material caríssimo todo que meu pai teve de comprar a muito custo? O mesmo material que me fez desistir do Senai, ironia do destino (pelo jeito, não era para eu ser desenhista mesmo, apesar de adorar rabiscar umas coisas...) No último ano já não sabia mais o que gostaria de ser, mas me apaixonei pela professora de PIP (Programas de Informação Profissional), uma loira que ia à escola de moto com roupas justas de couro preto que me deixava louco, eu com todos meus hormônios dos 20 anos... Em conversas vocacionais com ela, chegamos à conclusão que meu condão era para a escrita, pois ia bem em Português e Redação e adorava ler e escrever. E também já estava metido com a observação da realidade por um prisma um pouco mais político, devido às novas atividades de que comecei a participar em 1980 e que foram uma reviravolta em minha vida e no meu modo de pensar. Pois então as opções principais seriam Letras ou Jornalismo. Havia ainda Arte Dramática, pois na época fazia teatro amador. E acabei fazendo isso mesmo,  me inscrevi na Metodista de São Bernardo para Comunicação e na Fatea, de Santo André, para Educação Artística, que nem cheguei a terminar as provas porque o resultado da Metô saiu antes. Nem tentei USP porque estava afastado dos estudos havia dois anos por conta das reprovações em Matemática Aplicada (detesto matrizes até hoje). Bem, para quê estou dizendo (escrevendo) tudo isso? Porque ontem, 8 de abril, minha filha completou 18 anos, uma data importante e marcante para qualquer pessoa. Ela chega na maioridade em um contexto completamente diferente do meu. Morando em outro Estado, dividindo apartamento com uma prima, cursando uma universidade federal, em breve terá seu carrinho, mas estudando o mesmo que eu, o que eu jamais poderia imaginar que fosse acontecer, mas do que me orgulho muito, porque, apesar de tudo adoro minha profissão e acho que ela leva muito jeito para isso sim. A sensação, claro, é de que ela continua uma garotinha e morro de medo de vê-la solta nesse mundo, como já descrevi aqui. Mas a realidade é que ela está maior de idade e cada vez mais construindo sua própria vida, pavimentando seu próprio caminho nesse mundo. E precisa disso. E eu tenho mais é que ficar quieto e dar todo apoio de que ela precisar, pois assim ela vai longe, tenho certeza disso.
Ah, uma coisa engraçada: apesar de eu ter título de eleitor desde os 18 anos, só aos 21 fui usá-lo. Isabela participou de sua primeira eleição aos 16.

terça-feira, 6 de abril de 2010

A noite

Sábado, bar Metrópolis, avenida Paulista, cerca de 23h. Hesito à porta, medo de entrar. Dou uma volta pela Doutor Arnaldo, contorno, pego a Consolação, viro na Fernando, subo a Haddock, retorno à Consolação e, decidido, resolvo entrar. Vou ao estacionamento, dezoito paus! Mas a chave pode ficar comigo. Na porta do bar, alguns frequentadores, mais jovens que eu, diversidade de roupas. Acho que estou adequado com minha camisa de mangas curtas de padrão xadrez, verde, e o jeans, harmonizando com meu sapato preto confortável presente de aniversário de minha filha. Entro, vinte e cinco paus de cara, sem direito a consumação. Quarenta e três paus gastos até agora sem um pingo de diversão, fora o combustível. Lugar quase lotado, mas o som bem bacana, a cargo da banda Almanak, tocando rocão básico dos 70, 80. Assim que entro, percebo olhares em minha direção, curiosos apenas. Creio que não abafei. Vou para o fundo procurar minha amiga. Não a encontro. Fico perto do bar. Curto o som, vejo a fauna local. Pessoal na casa dos 30, nada de meninada. Olho o cardápio. Preços, como era de esperar, exorbitantes. Seis reais uma simples Cerpa. Dezesseis um Red Label. Decido por um Jack Daniels, já que estou na chuva. Pancada de mais de dezessete pilas! Mas tomo com gosto, já ao lado de minha amiga e a amiga dela, com quem já dividimos outras pistas. A ideia era aproveitar o ambiente e curtir a night. Mas não me dou bem nesses lugares, e em pouco tempo já estava querendo ir embora. Ainda mais que a amiga, com quem já fomos um pouco mais do que amigos, parecia que queria que eu deixasse o caminho livre e fosse tentar a sorte em outra freguesia. Tomei uma Cerpa e a conversa com ela foi fluindo e em pouco tempo mudou de direção. Duas da manhã, já sem esperança de que o desfecho fosse outro, aconteceu o previsível. Fomos embora (a conta fechou em 59,95), tomar um lanche no Osnir, lá na Jabaquara. Comi um hipercalório xis bacon egg salada com fritas acompanhadas de maionese. Ela comeu um xis com muito tártaro e a amiga, um sanduba de frango. Despedidas e para casa. Acabei a noite na solidão das salas de bate-papo, em busca de algum diálogo noturno para afastar a sensação de que a noite fora desperdiçada. No fundo, mesmo, a noite foi boa, como me disse depois aquele que eu pago para me ouvir: pelo menos saiu de casa, já é um bom começo.

Domingo chuvoso. Após churrasquear com minha família, e de ter ligado para minha filha e sabido que ela havia chegado bem de sua programação, vou para o centro deixar encomenda para prima de minha filha, em um hotel perto da estação Júlio Prestes. Erro o caminho, como sempre, e me embrenho na Cracolândia. Aquilo é impressionante. Quem ainda não viu, não pode imaginar o que seja. Aquelas pessoas maltrapilhas amontoadas nas calçadas, no meio de toneladas de lixo, queimando as pedras de crack e entrando na mais profunda e perigosa nóia que um sujeito pode entrar. Seres perdidos, abandonados, esquecidos, nenhuma política pública parece que chega perto deles. Ultimamente tenho ouvido na imprensa vozes se erguendo contra essa verdadeira epidemia que é o vício do crack, mas não sei o que tem sido feito pelos órgãos públicos, se é que algo há a ser feito. Sei que dá pena de ver aqueles jovens, meninos, meninas, moços de todas as idades, naquela situação deplorável, minando seus corpos a cada tragada dessa droga maldita, vivendo como urubus - foi essa a imagem que me veio à mente ao vê-los ali no meio daquela imundície - sob a fina chuva daquela noite. Depois dessa visão, só posso achar que minha noite de sábado foi realmente maravilhosa.