O Barquinho Cultural

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quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Ao correr da pena


Era um menino solitário, gostava de inventar músicas, criar brinquedos e enterrar coisas no jardim (ferramentas, talheres, até um pobre de um franguinho, sem saber, contudo, que o bichinho morreria). Detestava cortar cabelo, tomar banho, calçar sapatos e comer coisas como beterraba, abobrinha, mandioquinha e cenoura. Leite, nem pensar (tive raquitismo e tomei isso até enjoar). Falava sozinho (até hoje). Desenhava garatujas que expressavam aquilo que gostaria de ser (um cara fortão – por causa do raquitismo, fui um menino magricela e frágil -, guitarrista, cabeludo e cheio de charme). A escola era um martírio, porque tinha de interagir com desconhecidos e pessoas que representavam, à época, a autoridade constituída (professores, diretores, bedéis).

A infância, até onde a memória pode alcançar, foi bonita, dentro do estrito círculo de conforto que me deixava em paz; sair dessa área me aterrorizava. Tinha poucos amigos na vizinhança. Lembro-me de um casal de irmãos nisseis de quem gostava muito. Os vizinhos de muro eram muito arruaceiros, e me intimidava sua rudeza, piorou quando sem querer fiz um talho com a tampa de lata de goiabada que joguei ao ar para ver voar e, azar, atingiu o rosto de um menino. Castigo no quartinho de passar de minha mãe. Nunca vira tanto sangue antes.

Sem noção, quase incendiei a edícula de casa ao atear fogo a um monte de folhas secas de bananeira que estava jogado junto à parede. Medroso, saí de fininho e me escondi. Por sorte, extinguiram-se logo as chamas, mas as labaredas subiram tão alto que o susto foi enorme. Outra ocasião, brincando de cigarro, quase queimei minha própria cara ao acender uma folha de caderno que enrolei e pus na boca, fingindo fumar, para imitar o meu pai.

A mãe passava roupas na edícula ouvindo rádio, músicas dos anos 60 que até hoje me lembro. Uma de minhas favoritas era uma versão em português do Hino ao Amor, de Edith Piaf, que, anos depois, ao ouvir no original, me deixou emocionado. O rádio foi o primeiro meio de comunicação a que tive acesso, antes mesmo da televisão, que entrou em casa tempos depois, e provocou tanta briga com minhas irmãs. Disco sempre houve em casa, meus pais gostavam muito de música e tinham uma coleção razoável, a maioria de orquestras, bandas marciais. Coisas como Ray Conniff, Românticos de Cuba, Lafayette, bandas da Polícia Militar, da Marinha, por aí.

Em visitas à casa de minha avó materna, tive contato com revistas femininas, de uma prima minha de quem não tenho notícias há anos. Eram revistas que cobriam a vida de artistas de rádio e TV, cantores, algumas de moda, como uma tal de Burda (achava gozado o nome), fotonovelas. Curioso, rasgava as fotos das moças na esperança de ver o que havia por baixo dos vestidos. Meu tio Mário era leitor de almanaques, e quando Chico Buarque lançou, nos anos 80, um disco com esse nome, ele me soou extremamente familiar. Fiquei um tempo viciado em palavras cruzadas.

O vício seguinte foi baixa literatura. Devorava livrinhos de faroeste e de espionagem vendidos em bancas de jornal, em papel ordinário e formato de bolso. Antes de consumir gibis, era isso o que eu lia. Esses romances me estimulavam a brincar de caubói e espião, e criava minhas histórias e as encenava em casas em construção na vizinhança, nos matagais e nos campinhos onde se jogava futebol. Eu nunca joguei; preferia caçar saúvas com hastes de capim-gordura a ficar correndo atrás de bola e tomar caneladas.

A família era engraçada, grande, diversificada. Os natais eram animados, cheios de comidas, algazarra, a italianada típica, falando alto, brigando, soltando maledicências. Eu, observador, tentava entender cada um deles, mas sem me envolver. Mantendo um certo distanciamento crítico – sem o saber, claro. Que eu me lembre, não havia interação entre os parentes de minha mãe e os de meu pai. Não me recordo de evento que tenha juntado as duas famílias.

Os fins de semana em que não íamos ao zoológico, à praia ou ao parque de diversões, eram de visita às avós, tios e primos. Não brincava muito com os de minha idade. Gostava mais de ficar junto aos adultos ouvindo suas histórias e queixas. O problema era que os primos eram mais fortes e gostavam de me bater e as primas não curtiam muito a presença de um menino em suas brincadeiras de casinha e de bonecas. Mas às vezes rolava uma roda, um pega-pega, esconde-esconde, e eu podia participar.

Gostava de subir em árvores, muros, telhados, postes, e brincava de avião, fingindo pilotar. Uma goiabeira na casa da mãe de minha mãe era minha preferida. E lá passava horas, isolado, com a cabeça nas nuvens, imaginando viagens sem fim. E a imaginação corria solta. Tanto que muitas vezes me perdia ao andar com a família, ou caía no córrego por não prestar atenção no caminho. Me perdi muitas vezes, por ter um precário senso espacial que até hoje me é deficiente. Mas sempre me acharam, pois o medo me impedia de ir longe demais.

Quando chegou a época de ir à escola o terror se apossou de vez de mim. E, sem o saber, eu tinha motivos para isso...

sábado, 7 de abril de 2012

E o palito afundou

Estive dia desses no famoso Bar Léo, reduto dos apreciadores do bom chope, bem tirado e na temperatura correta, no centro de São Paulo, mais precisamente na região conhecida por Boca do Lixo (rua Aurora), com algumas pessoas do curso de fotografia, ávidos por uma boa conversa e matar a sede após uma saída fotográfica na Pinacoteca e arredores. Foi a primeira vez que estive nesse bar, mas a vontade de lá ir sempre me invadiu, pois as referências que dele tinha eram as melhores. Gosto de frequentar os pontos tradicionais da cidade de São Paulo, como o Ponto Chic, Moraes, Mercadão da Cantareira, bar Estadão, feira do Pacaembu, Frangó, por saber que são locais que, a despeito de todas as modificações gastronômicas por que passa a cidade, incorporando hábitos que são muitas vezes importados de outras paragens, mantêm seu cardápio, pois sabem que a freguesia fiel vai lá exatamente por isso.

No bar, naquela noite de terça-feira, estranhei o local estar bem vazio. Sempre li e ouvi que era quase impossível arranjar lugar para sentar no tal boteco, e os donos há tempos providenciaram balcões na calçada para atender aos que não tinham oportunidade de sentar às mesas internas. Pedidos os chopes, notei o colarinho correto, cremoso, a cor cristalina, o copo devidamente limpo. E comentei com o pessoal - todos muito jovens, observe-se - as características que fazem a fama do bar. Não sou mestre cervejeiro, daqueles que identificam em um trago a qualidade do líquido. Mas o sabor me pareceu um tanto estranho. Mas, vamos lá. E, para demonstrar meu (parco) conhecimento da arte chopeira, falei aos colegas do teste do palito, que ouvi há muito tempo. Não sei se é mesmo verdade, mas diziam que, para verificar se o chope foi bem tirado, deve-se mergulhar um palito no colarinho. Se ele permanecer imóvel, foi devidamente cortado. Mas, se descer, foi tirado de maneira incorreta.

Bem, fiz o teste. E o palito desceu e sumiu. Fiquei com cara de bobo, imaginando que talvez teria entendido errado o teste. As pessoas me questionando a respeito. Minha reputação de conhecedor caiu por terra. Mas tudo na boa, afinal, o importante era estarmos em um bar respeitado da cidade e sorvendo uma bebida de qualidade reconhecida há quase 70 anos. E fiquei quieto quanto ao meu repertório de boêmio.

Qual não foi a minha - e a de muitos paulistanos e muitos brasileiros de outras plagas - surpresa e indignação ao ler nos jornais dias depois que o bar tinha sido interditado por vender chope de baixa qualidade sem avisar aos clientes, fazendo-o passar pelo Brahma (e cobrando-o como)? Um apreciador contumaz, estranhando o sabor da bebida, chamou a polícia e foi descoberta a sacanagem. Vários barris de outra marca foram encontrados no depósito. E, pior, havia comida vencida no local. Decepção. Trauma. Sensação chata de ser feito de trouxa.

O bar Léo foi fechado por uns dias, não sei se já reabriu. Mas a imagem foi arranhada. Será difícil reaver o prestígio. O consumidor não gosta de ser enganado, ainda mais quando ele estabelece uma relação de carinho com o fornecedor, seja lá do que for. O que me angustia é a falta de respeito, além de com o consumidor, com as tradições, em nome do lucro rápido. Li que quem comanda o botequim agora são herdeiros do dono que lhe construiu o nome e fama. Acho que faltou a esses novos administradores a percepção de que aquilo que se obteve com anos de trabalho decente deve ser preservado. Se havia dificuldade de manter o negócio, há muitas outras maneiras de se atrair mais clientela, mas a pior é enganar as pessoas.

Fica em mim a sensação de que os valores são coisas que perderam um tanto de sua importância, que a lógica do mercado se sobrepõe a eles, e o vale-tudo está cada vez mais presente nas relações humanas, sejam elas de consumo ou de afeto. Exemplos não faltam. O metrô paulistano era considerado, tempos atrás, o melhor meio de transporte da cidade, limpo, organizado, pontual. Hoje o que se vê é total desrespeito ao usuário, que se espreme e faz verdadeira ginástica para entrar na composição. Vão dizer que aumentou exponencialmente o número de pessoas que o utiliza, ok, mas e o investimento para atender à nova demanda?

Em mim ainda fica uma certa angústia de perceber que a vida está cada vez mais complicada, que o crescimento desmedido da cidade torna o fruir das coisas que nos agradam mais difícil, que para se ter algo um pouco mais qualificado se deve pagar muito e, assim, se segmenta cada vez mais o acesso, alargando o abismo social tão notório em nosso mundo. É triste.

Mas nem tudo está perdido. Fomos sexta-feira, 06/04, no bar do Alemão, outro reduto tradicional da cidade que ainda não conhecia. Atendimento correto, chope bem tirado, música de altíssima qualidade (se bem que alta demais, atrapalhando a conversa). Reencontrei lá o músico Eduardo Gudin, que há tempos não via tocar, desde o histórico show com Vânia Bastos, com quem gravou um LP sensacional. Achei-o meio acabado, magro demais, a idade cobrando seu voraz tributo. Mas o violão continua um primor. Agradeço aos amigos Regina e Antônio pela dica. E ainda encontrei lá o camarada Lela e Célia. Eles sabem das coisas.

quarta-feira, 28 de março de 2012

A lenda ganha história


“Lenda não tem história.” É o que diz Paulo Coelho em determinado momento do filme “O início, o fim e o meio”, documentário de Walter Carvalho e Eduardo Mocarzel sobre o mito Raul Seixas, a que assisti nesta segunda-feira, 26/03/12, em uma sessão das 16h20 quase vazia no Espaço Unibanco (Itaú?) do Shopping Bourbon.

Sim, apesar da resistência do místico escritor e parceiro do Maluco Beleza em dar seu depoimento ao filme, sua presença é bem constante na fita, dando até leve impressão de que o homenageado lá parece ser ele, e não o retratado. Tudo bem. O filme é ótimo, bem pesquisado, com cenas inéditas e recheado de canções sempre boas de ouvir.

Começa com imagens de “Easy Rider” (aqui, “Sem Destino”), o grande filme dirigido por Dennis Hopper, lançado em 1969, que aborda o movimento hippie, a contracultura e a liberdade. E introduz Raul como o cara que fez a fusão do rock com a música popular brasileira, misturando guitarras e triângulo e atabaques, atacando até de bossa-nova em alguns momentos.

Sim. Raulzito inovou o rock brazuca, até então ingênuo e careta na Jovem Guarda e depois desafiador com os tropicalistas e os Mutantes. Ele queria dizer algo libertário, em uma época em que a ditadura procurava calar vozes dissonantes e a censura extirpava letras de Chico Buarque e afins.

Vários depoimentos importantes traçam um perfil bem honesto do baiano, desde a mãe,  irmão, amigos de infância, primeiros parceiros, as mulheres, filhas, produtores, jornalistas, outros artistas, enfim, um painel aparentemente completo da vida do cara. Sua paixão por cinema, que o levou a conhecer outro mito, Elvis Presley, que o fez dedicar-se ao rock o resto de sua vida.

Faltou o depoimento de Jerry Adriani, que aparece apenas em uma foto esmaecida, ele que levou Raul ao Rio e o introduziu em uma gravadora, onde trabalhou como produtor, compôs para vários artistas do cast (inclusive para Adriani) e acabou lançando seus próprios discos. Injustiça. Talvez tenha se recusado, não sei.

É um filme importante por documentar um artista da estatura de Raul, porém um tanto comovente demais para meu gosto, feito para chorar, coisa que destoa do espírito do nosso roqueiro maior. Preferia um documentário mais doidão, que acompanhasse em estética fílmica o pensamento e atitudes do músico. Mas não deixa a desejar, o retrato é bem detalhado.

Em 1973, a loja de discos de meu pai recebe o Krig-ha, bandolo!, primeiro trabalho solo de Raul, com os clássicos “Ouro de tolo”, “Mosca na sopa”, “Metamorfose ambulante”, “Al Capone” – esta em parceria com Coelho. Um disco memorável,  que eu ouvia à exaustão e me fez abandonar de vez as breguices que escutava até então (exceção aos Beatles, que curtia desde pequenino).

Foi uma época muito legal o início da década de 1970. Acho que a encheção de saco que o AI-5 trouxe fez o pessoal das artes ficar mais criativo, e desse período surgem artistas que fizeram acontecer durante muitos anos e outros que caíram no ostracismo rapidamente. Normal. Eu, aos 12, 13 anos, assistia a aquilo tudo com enorme curiosidade e refinava meu gosto, além de me motivar a ser cantor também, objetivo, contudo, que nunca persegui.

O filme faz a lenda virar história, e isso é importante em um tempo em que muitos, absurdamente, não sabem de sua existência. Sim, ouvi de uma menina de seus 20 e poucos anos que estuda fotografia comigo não o conhecer! Isso apesar de o bordão “toca Raul” já ter se tornado um clássico nos botecos. Talvez seja melhor ele permanecer mesmo como mito.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Meu primeiro Chico


Dois de março de 2012, uma sexta-feira, eu e Isabela fomos assistir ao show de Chico Buarque no HSBC. “Hoje é o dia da graça”. Primeira vez em nossas vidas vendo esse ícone ao vivo em um palco. Emoção. Alegria. “Abro meus braços pra você”. Momento raro. Vejo em seu site que este foi o sexto espetáculo que ele apresentou em 36 anos. Não podia perder.

Tinha visto Chico uma vez no Rio, acho que em 1996, em uma partida de futebol entre seu time, o Polytheama, e uma seleção de barrigudos do PT. Após a partida (esqueci quem ganhou), ele, arisco, safou-se do batalhão de jornalistas que o queriam bombardear de perguntas como quem se livra de um ataque de abelhas. “E a gente vai ficando pra trás”. Não respondeu à minha pergunta (nem me lembro mais qual foi). Na verdade, respondeu a uma ou duas e sumiu, atravessando perigosamente a avenida Brasil rumo a sei lá onde, correndo o risco de “morrer na contramão atrapalhando o tráfego”.

Outra vez, em 1997, o vi no lançamento do projeto “Terra”, com livro contendo fotos de Sebastião Salgado, texto de José Saramago e um CD com quatro músicas dele. Mas também inacessível.

Desta vez não, estava lá no palco, roupas escuras, cenário com reproduções de telas de Portinari e desenho Niemeyer e um desenho geométrico, iluminação quente. “Eu não queria jogar confete, mas tenho de dizer, ‘cê’ tá de lascar, ‘cê’ tá de doer.” Uma turnê longa, iniciada em novembro em Belo Horizonte e que aqui, em São Paulo, está estendida até abril.

Começou com O Velho Francisco. Entremeou canções do último disco, “Chico”, que não conheço, com outras de várias fases de seus 45 anos de carreira. Algumas de que consigo me lembrar: Desalento, Bastidores, Teresinha, Ana de Amsterdam, Anos Dourados, Sob Medida,Tereza da Praia (que dividiu os vocais com o baterista Wilson das Neves, de quem ficou com o chapéu da foto), Cálice (homenageando o rapper Criolo) e, surpresa, Geni e o Zeppelin!

Esta merece um destaque: foi a música que me fez prestar atenção nele, lá nos meus 16, 17 anos. Claro que sabia de sua existência pelos festivais, dos quais eu era espectador interessado pela TV. Conhecia A Banda e  Sabiá, mas nesta época, 78, 79, meu gosto musical era duvidoso, sem muito critério, “à toa na vida”.

E essa música, por causa do verso “joga bosta na Geni”, chamou minha atenção – e a de todo o país, imagino -, pois vivíamos um regime militar que censurava tudo e tornava a vida muito careta, “tanta mentira, tanta força bruta”. Pouco tempo depois, em 1980/81, já participando do movimento de jovens da paróquia de meu bairro, virei seu fã incondicional e de tantos outros bambas da dita MPB.  

Eu montaria outro repertório para o show. Eliminaria muitas das músicas novas, que não me empolgaram (o penúltimo disco dele, “Carioca”, comprei e ouvi apenas uma vez), e acrescentaria muitas mais antigas e  conhecidas. Difícil escolher. “Tem samba de sobra pra gente sambar.” Mas valeu assim mesmo. Um espetáculo que fez brotar emoções “à flor da pele”. “Deus lhe pague”, Chico.

sábado, 10 de março de 2012

O preço

Tudo neste mundo capitalista (mesmo nos ditos socialistas) tem um preço. Monetário ou não, há sempre um valor determinado a pagar pelo que você deseja. Também aquilo que você pratica tem um custo, está na física: para cada ação, há uma reação correspondente, de igual intensidade. Boca grande também costuma suscitar a cobrança de tributo. Tenho o hábito de falar o que me dá na telha, sem medir as consequências. Isso é resultado de anos de mutismo, que trabalhei anos para superar. O problema é que acho que erro na dose. Ponderar sempre é bom. O velho ditado de pensar dez vezes antes de agir - ou falar algo - é uma verdade absoluta.

A sabedoria, dizem, está em ouvir mais e falar menos. Na época que frequentava as comunidades eclesiais de base, as CEBs, havia a máxima Ver, Julgar, Agir. Acho que ando me esquecendo um pouco da palavra do meio, ou então julgado errado, ou apressadamente. E, como disse, pago o preço pelo afobamento.

Tive perdas recentes, por causa de não avaliar adequadamente a situação, e despejar a primeira impressão que me veio à cabeça. E certas perdas são irredutíveis, não têm volta. Agora é administrar o prejuízo e aprender com essa lição (tema do post anterior, ora veja!).

Alguém me disse dias atrás que é necessário se basear em fatos concretos para tomar alguma atitude. Suspeitas, indícios, evidências podem acender o sinal amarelo, mas não podem ser a base para o julgamento, a ação, a palavra dita. O problema é que isso fica registrado na mente, mas o impulso não permite muitas vezes resgatá-lo antes de fazer qualquer coisa.

As pessoas estão muito impacientes hoje, acho que sempre, mas agora sinto um pouco mais de intensidade nisso, sei lá. Ninguém mais vai tolerar ser maltratada ou distratada, ou tentar compreender a razão de certos gestos. É mandar às favas e chamar o próximo da fila - odeio a expressão 'a fila anda'. Porque parece que as relações se estabelecem em bases pouco firmes, e qualquer abalo é suficiente para deixarem de existir.

Pois é, o ano que me parecia que seria glorioso, até o momento só tem me trazido dissabores, e é hora de parar um pouco e refletir sobre o que vem acontecendo, rever as ideias, pensamentos, analisar os comportamentos, atitudes, e, principalmente, parar para pensar antes de pôr qualquer gesto em ação. Espero que aprenda a lição.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Lições de vida

Dias conturbados, estes últimos. Muitos acontecimentos. Uns bons, outros nem tanto. O que é bom é que tudo que se extrai dessa vida são as lições, as que nos guiarão para o futuro, nos farão refletir sobre nossos procedimentos e os das pessoas que estão ao nosso redor. O importante é aprender e se distanciar o suficiente para ver com olhos clínicos para tirar dos fatos o que eles nos apresentam de ensinamentos. Um exemplo: acreditar que alguém vá se moldar ao que você quer é uma besteira. As pessoas não estão nesse mundo para se adequar ao que outros esperam dela. Qualquer um tem o direito de ser o que é e esperar que seja aceito assim.

Outra boa lição: pessoas canalhas vão ser sempre canalhas e, quanto mais disfarçam, mais canalhas são. Dissimular penso que seja o pior da canalhice, pois esse tipo de gente não se expõe, na verdade se esconde em pele de cordeiro para dar o bote na hora certa. Temos de identificar logo e fugir de pessoas assim. É difícil às vezes perceber, mas não impossível. Uma dica: quem muito se contradiz e tem explicação para tudo, mesmo que não aparente coerência, pode apostar, tem coisa aí.

Portanto, até agora me referi a duas coisas importantes que aprendi nesses poucos anos que vivi até agora (sim, como disseram minha filha e amigos, não sou tão entrado em anos assim como me quiseram fazer crer): não esperar dos outros muito além do que eles são e aprender a reconhecer o malfeitor o quanto antes para não cair em armadilhas que podem lhe prejudicar bastante.

A vida está aí para nos ensinar e cabe a nós saber captar essas lições e aproveitá-las. Eu vivi experiências nos últimos anos que, surpreendentemente, abarcaram essas duas verdades. Me envolvi com pústulas e acreditei que não o eram e que, contudo, podia ter delas mais do que queriam me oferecer. Tolice! Se já é complicado esperar de pessoas honestas que sejam aquilo que você quer delas, que dizer de gente do mal? Essas, sim, jamais vão querer se adaptar, pelo contrário, vão querer te enrolar para que você seja a marionete nas mãos dela.

Mas nem tudo é sofrimento. Também estive ao lado de pessoas que me amam e que eu amo, e essas, sim, não querem ver minha ruína e aceito como são e elas a mim também. Todos temos defeitos, falhas, fraquezas, inconstâncias, é próprio da natureza frágil que temos, por conta da complexidade das relações humanas, dos interesses individuais quase sempre se sobrepondo aos coletivos. Afinal, madres Terezas de Calcutá não as há em abundância por aí.

Falar nisso, essas lambadas da vida me fizeram mais generoso e condescendente, ao contrário de me tornarem amargo e egoísta, como era de esperar. Não, eu não quero me vingar de nada e de ninguém, porque se me ferrei foi porque me deixei iludir, porque elementos para perceber que estava entrando em uma fria tinha de sobra. O que faltou, talvez, foi coragem de cortar o mal pela raiz e enfrentar a dor que o rompimento provoca, mas que passa, como tudo.

Portanto, a hora agora é de rever o que se passou, extrair a devida lição e não pensar mais muito nisso, tocar a vida em frente, porque, como diz o ditado, para frente é que se anda. Quem quiser caminhar comigo será bem-vindo e aceito como é. E, se for canalha, sinto muito, meu tempo é precioso e só a mim pertence, e prefiro gastá-lo com quem seja realmente prazeroso estar.

sexta-feira, 2 de março de 2012

A razão da idade

Não me incomodo quando me chamam de velho. Primeiro, porque quem o faz em tom pejorativo revela preconceito, e para a opinião de pessoas preconceituosas não dou o menor valor. Segundo porque pessoas com mais idade têm, sim, lugar no mundo, são os guardiões de nossa história e podem ser a lanterna na popa e na proa (lembrando livro do economista Roberto Campos) para os que têm a curiosidade necessária de ouvi-los para entender um pouco as coisas. Terceiro porque o passar dos anos nos dá de presente o ensinamento, a experiência, coisas que ninguém pode tirar de nós e que podemos passar de graça a quem se interessar; portanto, antes de tentar ofender alguém chamando de velho, é melhor refletir um pouco sobre o significado da vida e como a idade é algo relativo.

Conheci esta semana uma pessoa de quase 100 anos, senhor Pedro, de uma lucidez incrível. Um homem gentil, educado, interessado, a quem ouvir é um prazer inigualável. Muitas vezes a gente bate a cabeça por aí, errando, hesitando, perdido sobre o que fazer, e esquece que o que podemos estar vivendo neste momento tem um peso que podemos estar exagerando em sua dimensão. Ouça alguém mais experiente, vai ver que isso já foi vivido por essa pessoa e que pode ter muito menos importância do que parece.

Convivi com pessoas que sofriam demasiadamente por causa dos problemas que vêm lhe atormentar, e chegaram ao cúmulo de achar que não têm mais lugar neste mundo, tamanha a carga de agruras por que acham que passam. Ora, problemas sempre os teremos, a diferença está em sabermos encará-los com tranqüilidade e coragem, não os deixar crescer demais, porque aí sim eles nos engolem.

A juventude é uma delícia, claro, o vigor, a capacidade quase ilimitada de realizar as coisas, o descobrir. Mas cada fase da vida tem seu encanto, e quem tem filho sabe bem disso. Penso que não é legal a gente se vangloriar por ser jovem, bem disposto e com muito mais competência para certas atividades que os mais idosos. Quando eu era adolescente, sofria muito pela dificuldade de compreender muitas coisas, e clamava pela experiência que agora tenho. Mas nem por isso deixei de viver cada ano de minha vida com a plenitude que pude...  e nunca maltratei ou humilhei ninguém de qualquer idade.

Novo ciclo – Estou percebendo que uma etapa nova se inicia em minha vida. Meio que por acaso, as coisas foram acontecendo e, ao me dar conta, vi que a vida nos reserva sempre surpresas – boas e ruins. Nada foi planejado, as decisões foram ao sabor das oportunidades, dos desejos que surgiam. O importante é que tive a destreza de perceber a mudança e a coragem de abraçar o novo sem medo de ousar. Eis aí mais uma importância da experiência: antes o novo me assustava e me deixava hesitante, pé no chão por demasia que sou. Agora, vamos encarar, e seja o que Deus quiser.

Deixo para trás dissabores que quase me fizeram perder a razão, e o faço sem ressentimento, pois isso só entorpece os sentidos e diminui nosso valor. A tendência, após ter vivido experiências tenebrosas, é ficar batendo a cabeça se perguntando como pude ser tão burro, ingênuo. Ora, ninguém está imune a se enganar, nem toda experiência do mundo nos livra de cair em armadilhas da vida, afinal, a gente tem boa fé e isso por vezes impede que sejamos desconfiados o suficiente para evitar que o mal nos atinja.

Como disse recentemente a uma pessoa, o fato de ter sido ludibriado em várias ocasiões não significa que todos são ruins e que vou me ferrar novamente. Se fosse assim, não poderia mais sair de casa, conhecer pessoas, experimentar novas sensações. Ainda tenho fé nas pessoas de bem, que há em abundância por aí. E continuo acreditando que  viver vale a pena e o importante é seguir em frente.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Sete Estados

BR-364 - Divisa Goiás/Mato Grosso
Gosto de viajar, mas o que me encanta mesmo é dirigir. Chegar é menos importante do que o ir, para mim. Nestas férias, botei o carro na estrada dia 30/01 e voltei em 15/02. Foram quase 5.700 quilômetros rodados, passando por sete Estados. Peguei todo tipo de estrada: perfeita, razoável, esburacada, de terra; viajei de dia, de noite, e cheguei ao cúmulo de dirigir 27 horas direto, com apenas pausa de cerca de duas horas para um cochilo. Sei lá, meio que testando meus limites, mas também porque não gosto de parar. A estrada me deixa absorto. Vou dirigindo, ouvindo minhas músicas preferidas, tomando coca-cola. Nem fome me dá. Loucura, disseram-me. Mas é meu jeito de ser.

Gosto de conhecer meu país, suas diferenças regionais. Os cheiros característicos. Cada estrada tem seu aroma. O de café em Minas; laranja em São Paulo; de cana e soja no Mato Grosso. Outras têm um fedor terrível, cheiro de sujeira, de óleo diesel queimado, de asfalto derretendo. Aromas de produtos os mais diversos em zonas industriais, de vegetação as mais variadas nas áreas rurais. Pessoas de todos os tipos. Isso tudo me encanta, essa diversidade que marca nosso país. É a economia real à minha frente, o Brasil que lemos nos jornais e interpretamos nas estatísticas frias e nos enunciados dos economistas e especialistas. Viajar pelo país é vê-lo em sua verdade intestina, fora da maquiagem edulcorada dos paraísos turísticos.

Chegando a uma localidade, é guardar a bagagem e sair à rua, à praia, à praça, ir aos bares, restaurantes, comércio e conversar com as pessoas, observar, interagir. Comer a comida local, beber o que se toma ali, dançar a música que se ouve. Pena que essa "aldeia" se tornou por demais global e quase tudo se padronizou e comportamentos, hábitos, costumes típicos estejam sendo substituídos por aquilo que a televisão aponta como legal. Exemplo: em Nova Viçosa, na Bahia, onde fiquei quatro dias, me falaram de um luau na praia. Fui lá, esperando uma roda em torno de alguém com um surrado violão, cantorias iluminadas pelo brilho da lua cheia. Que nada: cheguei na praia onde se realizaria o encontro e o que vi foram carros com os porta-malas abertos e os alto-falantes enormes expostos jorravam o mais indigesto "funk carioca", e meninas de bermudas ínfimas rebolando  suas bundas em coreografias eróticas... Nem esperei a coisa começar.

Na mesma cidade, à noite a diversão era ir na pracinha do centro, cheia de barraquinhas de "artesanato", que não passavam de coisas industrializadas que se encontram em qualquer ponto do país. No sábado, uma bandinha local tocava os maiores "sucessos" de todos os tempos, coisas como o axé baiano, o tal sertanejo, universitário ou não, os telós da vida... Pelo menos em Goiânia assisti a algo interessante: em um shopping, uma cantora local, Karine Serrano, entoando chorinhos clássicos, em um pocket-show que está se tornando comum nos centros de compras espalhados por aí.

Longe de ser um tradicionalista chato, o que me dá mais tristeza é notar que o Brasil profundo está cada vez mais se tornando uma coisa só, e os assuntos acabam sendo os mesmo em qualquer lugar que se vai. Mesmo assim vale a pena sair por aí, conhecer, ver, experimentar. Trouxe, como sempre, lembranças muito boas dos lugares por onde passei e das pessoas com quem tive contato.


terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Vizinhos indesejáveis

Foto: Raul Machado (site SRZD)
Desde meus 13 anos que venho convivendo com o problema de morar ao lado ou perto de vizinhos inoportunos, que se acham no direito de perturbar o sossego dos outros impunemente. É o fenômeno do adensamento urbano, que põe um monte de gente em espaços exíguos e faz da convivência algo meio complicado. Tivesse eu recursos moraria em uma ilha deserta, ou em palacete protegido por um terreno imenso, que afastaria os barulhos das cercanias. Mas meus parcos rendimentos me permitem no máximo instalar vidros antirruído nas janelas. É uma opção a estudar.

Quando nos mudamos para Santo André, em 1974, na casa que meu pai construiu quase com as próprias mãos em terreno que sua mãe comprara assim que voltou do interior de São Paulo, ganhamos de presente um vizinho que promovia cultos de umbanda toda sexta-feira à noite, e o batuque rolava até alta madrugada. Não foram poucas vezes que o velho Chico chamou a polícia e nem menos as que ele próprio foi tomar satisfação do seu Brás, o dono do lugar e pai-de-santo que promovia a "baderna". Para piorar, aos domingos, logo cedo, a igreja católica em frente começava a "tocar" os sinos (na verdade, era um disco com sons de carrilhões, já que o templo não tinha campanário). Às 18h, a coisa se repetia.

Casado, fui morar em São Bernardo do Campo, em um bairro pouco afastado do centro, bem aprazível. Mas logo em seguida foi aberto um boteco que à noite reunia um monte de motoqueiros e jovens motorizados que gostavam de ligar um som bem alto e ficar na algazarra horas a fio. Com a Isabela pequena em casa, a coisa era difícil. Queixas da vizinhança não adiantaram, e as noitadas acontecem até hoje. Por que será que o poder público não dá atenção a esses delitos, preferindo centrar fogo em nossos deslizes no trânsito apenas?

Depois, separado, fui morar em outro bairro da mesma cidade. E aí a encrenca era um pátio de veículos onde as transportadoras (donas das famosas "cegonhas") deixavam os veículos antes de os levar para toda parte do país ou ao porto de Santos. No caso nem era o barulho, mas o trânsito daquelas carretas na via de acesso ao meu condomínio tornava o ir e vir um tormento diário. E mais: pouco acima do prédio, uma oficina que atende às empresas, esta sim, fazia um barulho infernal de marreta no aço, serra, furadeira e sei lá mais que sons desagradáveis que acabavam com o sossego.

Morei em seguida um tempo no Jabaquara, enquanto meu apartamento novo não era entregue, bem vizinho ao aeroporto de Congonhas. O som dos aviões e suas turbinas malucas o tempo todo impedia que se visse (e entendesse) algo que se estava vendo na TV ou se ouvisse uma música que se tentava escutar. Ler, então, era um exercício de paciência, inúmeras as vezes que era necessário reler o que acabava de ler porque o raciocínio tinha sido interrompido por nova chegada de aeronave.

Agora, aqui na capital paulista, além dos vizinhos de prédio que, insatisfeitos com o que acabaram de comprar, vivem em obras, tenho bem em frente a minha janela a escola de samba Mocidade Alegre. Seus ensaios e festas são para pôr à prova o nível de tolerância de qualquer cidadão de bem. O baticum começa logo após sair o resultado da apuração do carnaval. Claro, acabado o desfile do ano, é hora de se pensar no do ano seguinte, pois a festa pagã, de tanta fama aqui e no mundo, não pode parar. Incrível é a voz do tal puxador de samba da escola, potente a tal ponto que nem precisaria de microfone, amplificador e caixas acústicas. Mas o sacripanta faz questão de usar o equipamento e o faz no volume máximo, talvez porque os foliões que ali estão sejam surdos de tanto frequentar o ambiente. Mas nós, vizinhos, não somos. E sofremos.

Morar bem realmente é privilégio de poucos. A solução, em meu caso - enquanto não coto as tais janelas indevassáveis -, é deixar o volume do que estou ouvindo bem alto e dormir com fones nos ouvidos, apreciando uma boa música ou programas de rádio. O problema é que posso sofrer precocemente de problemas auditivos (já percebo uma diferença entre a audição do ouvido direto e o do esquerdo).

Mas garanto que não tenho absolutamente nada a ver com o incêndio no barracão desta escola, embaixo do viaduto Pompeia, ontem (09/01/12), que destruiu algumas de suas alegorias...

Reparação - Quero reparar uma injustiça cometida em meu último post (Decepção). Apesar do infortúnio por que passei no revéillon, minha virada de ano foi ótima, com minha família, irmãs, cunhado e sua mãe, sobrinhos, sobrinhos-netos (entre os quais a pequena Nathália, que vem se desenvolvendo a contento, graças a Deus). Depois do Natal também perfeito com minha filha e sua família, só posso agradecer ter gente tão boa ao meu lado, o que apequena ainda mais o episódio chato que me aconteceu.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Decepção

"Eu não acredito nas pessoas, eu acredito nas evidências. Pessoas mentem, evidências não!" (Francisco Cembranelli, promotor de Justiça no Estado de São Paulo)

2012 começou péssimo para mim. E eu que esperava que, por ser ano par, as coisas melhorariam um pouquinho em relação ao anterior. É que sempre me acontecem fatos bons em anos pares, não sei bem por quê,  coisas da metafísica. O fato é que o réveillon já prenunciou que este 2012 bissexto pode não ser tão alvissareiro quanto eu imaginava. De bom princípio, o que ganhei foi uma tremenda decepção, uma traição profunda, um balde de água gelada bem na moleira, uma pisada na bola inesquecível. E o pior é que ainda me pus a acreditar que eu podia estar errado e relevei os fatos. Mas a verdade sempre triunfa e o acaso trabalha para as coisas se colocarem em seus devidos lugares.

Não quero perder a fé na humanidade, como disse em mensagens de feliz ano-novo que mandei a pessoas queridas - elas, sim, que dão alento à minha vida. Mas acho que está cada vez mais difícil se acreditar nas pessoas, nas suas boas intenções, na retidão de seus caracteres, na verdade de suas ações e sentimentos. Infelizmente, há pessoas que conseguem, com ardis hábeis, iludir o mais experiente dos seres humanos (o que decididamente não sou). Artimanhas bem urdidas, argumentos irrefutáveis, estratégias bem pensadas para enganar - ou pode ser mesmo uma habilidade nata para fazer o mal parecendo estar realizando o bem.

Cuidado, alerto aos amigos. Pessoas são o diabo, sempre o interesse delas estará à frente, não nos podemos iludir com benfazejas intenções, quando no fundo o que se pretende é extirpar algo de você, de que dimensão for, não importa. A quem nada tem - ou julga merecer mais do que possui -, escrúpulo às vezes é artigo raro. Caí na armadilha, fazer o que: olhar para frente, absorver a experiência e seguir em frente, talvez se preparando para as consequências que possam vir.

Ontem (05/01), li um post no Facebook de uma colega radialista que menciona algo semelhante, sobre uma decepção sofrida apesar de sua percepção a alertar que havia algo de estranho no ar. E repito aqui o comentário que lhe fiz: precisamos sim prestar atenção à nossa intuição. A gente não é totalmente burra, é fácil juntar os pontos, conectar os indícios e chegar a uma conclusão, ou, ainda em princípio, uma suspeita. Tudo bem que a Justiça consagrou o benefício da dúvida, mas quando as evidências começam a se multiplicar, os equívocos e mentiras se somam em progressão geométrica, o sinal vermelho acende. Mas, a mente trabalha em um ritmo e o coração em outro. E essa falta de sintonia entorpece a razão e faz a emoção aflorar e se evidenciar.

Não gosto de ser um ser racional total, gosto de emoções fortes, de me arriscar às vezes, de dar algum tempero a essa vida por tantas vezes chata, insossa que somos obrigados a levar. Mas vejo que, diante dessa experiência - e de outras tantas passadas -, é necessário um pouco mais de frieza na análise, de pé atrás no relacionamento com as pessoas. É próprio da vida, desde que a Humanidade se instalou no planeta, viver o perigo, seja ele vindo da natureza, seja dos membros da mesma espécie (não sei qual o pior). O problema é quando se precisa se defender de uma ameaça velada, dissimulada, disfarçada. Porque os inimigos verdadeiros mostram suas intenções à luz do dia e assim se consegue se preparar para a defesa ou o ataque. Mas a maldade travestida de bondade é complicada de se perceber; quando se vê, já se está envolto tanto que não há mais saída, a não ser desaparecer.

Fui vítima por um bom tempo de uma pessoa sórdida que agora não teve como negar o óbvio, como tantas outras vezes fez em momentos em que a contradição, a abjeção, o aviltamento se mostraram na minha cara e eu, tolo, inepto para perceber as coisas elementares da ação vil, acreditei que meus olhos estavam enganados, minha inteligência me pregava uma peça, meu instinto de sobrevivência poderia estar exagerando. Não, desta vez esse embotamento não será possível, há prova material, pública (sinal de que mesmo as mentes mais psicóticas não são tão inteligentes assim como se crê). A máscara finalmente caiu.

A mim me resta esquecer a pessoa, não o episódio, que este deve estar sempre bem fresco na memória para que não me deixe enganar novamente, lamentavelmente vai embutir em minha mente a dúvida, a apreensão, a descrença, o ceticismo, talvez o niilismo. E confiar em alguém será um exercício mais complicado, quem sabe. 

Mas, como de tudo se tira uma lição, imagino que deste acontecimento o ensinamento é que a gente não pode se dar tanto, se doar demais; é necessário se preservar, manter uma certa margem de manobra, e ter um plano de fuga bem elaborado para a emergência que se fizer necessária. E esse plano envolve principalmente o desapego, o livrar-se daquilo que lhe é nocivo, mesmo que por vezes prazeroso. Afinal, este é o mote de tudo que vicia: a expectativa de um efêmero benefício, mas a um alto custo.